* Paulo Sergio João
O jornal O Estado de São Paulo, em sua edição de 10 de maio, na reportagem dos jornalistas Daniel Weterman e Felipe Neris, traz notícia da expectativa de crescimento de reclamações trabalhistas para este ano de 13% em relação ao ano de 2015 (2,66 milhões de ações recebidas) em razão da crise de econômica que desencadeou desemprego jamais visto neste País (11,1 milhões de desempregados). A reportagem termina com uma frase atribuída ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, no sentido de que “o melhor caminho é a negociação e não bater às portas da Justiça”, recomendando os acordos extrajudiciais.
A mensagem revela, de um lado, que o jurisdicionado vai enfrentar um Judiciário Trabalhista castigado pelo acúmulo de processos e com poucas condições materiais de atender à recomendada celeridade processual. De outro lado, a sugestão de que seja homenageada a negociação em lugar de ajuizamento de ações merece toda atenção no momento atual, mas encontra barreiras históricas e culturais que devem ser vencidas.
A Justiça do Trabalho goza de prestígio carismático entre os trabalhadores. A proposta de solução extrajudicial não deve ser descartada. Todavia, há pelo lado dos reclamantes/trabalhadores, o sentimento popular muito honesto e sincero de que a única protetora de direitos trabalhistas é a Justiça do Trabalho e, portanto, somente aos olhos do Juiz o acordo pode se transformar em reparação de prejuízo. Ao contrário, quando o acordo é extrajudicial, a experiência demonstra, com algumas ressalvas, que fica certa frustração no seu resultado, um sentimento de perda, e que a judicialização do conflito poderia obter resultado supostamente mais justo.
É uma questão cultural que se apresenta fundamentada na proteção da aplicação legislação trabalhista com forte insegurança e restrição no exercício da autonomia da vontade de cujo exercício os trabalhadores ainda não podem se apropriar porque a alegada hipossuficiência considera o empregado incapaz de assumir responsabilidades contratuais. Em palavras outras, a tutela de direitos trabalhistas pelo Estado e a indisponibilidade de direitos trazem dificuldades na obtenção da segurança necessária para acordos extrajudiciais na relação entre empregado e empregador.
O Tribunal Superior do Trabalho tem, em reiteradas ocasiões, negado a possibilidade de arbitragem para a solução de conflitos de natureza individual. O ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, na relatoria do processo TST-RR-89000-85.2008.5.02.0022, exclui a solução extrajudicial por ausência de respaldo igualitário entre as partes. Ele afirma que:
“Na esfera do Direito Individual do Trabalho, contudo, outro será o ambiente: aqui, os partícipes da relação de emprego, empregados e empregadores, em regra, não dispõem de igual poder para a manifestação da própria vontade, exsurgindo a hipossuficiência do trabalhador (bastante destacada quando se divisam em conjunção a globalização e tempo de crise). […] Esta constatação medra já nos esboços do que viria a ser o Direito do Trabalho e deu gestação aos princípios que orientam o ramo jurídico. O soerguer de desigualdade favorável ao trabalhador compõe a essência dos princípios protetivo e da irrenunciabilidade, aqui se inserindo a indisponibilidade que gravará a maioria dos direitos – inscritos, quase sempre, em normas de ordem pública – que amparam a classe trabalhadora”.
Portanto, a tônica da proteção vigora no âmbito da Justiça do Trabalho onde a tutela jurisdicional se destina a interesses individuais e que, portanto, arrasta a aplicação da indisponibilidade de direitos trabalhistas, conteúdo limitador do exercício da autonomia da vontade durante ou após a extinção o contrato de trabalho.
Desta feita, o reconhecimento da validade e eficácia da solução extrajudicial de conflitos trabalhistas individuais esbarra no enfrentamento de disposições consideradas de ordem pública e não em direitos essencialmente patrimoniais. Admitir a transação extrajudicial de direitos indisponíveis seria o mesmo que dar o aval para o descumprimento de obrigações trabalhistas, desprezando todo o arcabouço legal de proteção à dignidade do trabalhador.
Neste sentido, o TST uniformizou jurisprudência na Súmula 310 e atribuiu ao Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho valor probatório relativo, qualidade esta que também foi atribuída pela lei aos acordos celebrados perante as Comissões de Conciliação Prévia. Aliás, as Comissões de Conciliação Prévia, idealizadas para filtrar a conflitos trabalhistas, não lograram trazer solução de litígios durante o cumprimento do contrato de trabalho ou mesmo após sua extinção.
Os sindicatos, a considerar as limitações que já são impostas nas negociações coletivas, não gozam de credibilidade suficiente para assumir a tamanha responsabilidade em conflitos de natureza individual e estariam submetidos ao disposto no artigo 477, da CLT e Súmula 310 do TST. A sugestão do ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho é de um valor inexorável e merece reflexão profunda. Todavia, do que se tem na lei e na jurisprudência, os acordos extrajudiciais serviriam de primeiro passo para ajuizamento de ações trabalhistas.
* Paulo Sergio João é advogado trabalhista e professor da PUC-SP e FGV-SP – http://www.psjadvogados.com.br/
Vera Moreira Comunicação – Assessoria de Imprensa
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