Adilson Simonis e Marcelo Guedes Nunes
Os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Pedro Machado de Almeida Castro escreveram, no fim de junho, um artigo em que criticavam o uso de números como fundamento de decisões no Judiciário. Manifestaram preocupação com o fato de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter baseado certas decisões em pesquisas estatísticas.
Para os autores, a utilização de números seria uma prática duvidosa, um jogo perigoso de ocultação de premissas e vícios metodológicos capaz de induzir os juízes ao erro. Por tal razão, os julgamentos deveriam ser pautados tão somente pela interpretação do direito posto.
É compreensível a preocupação com a qualidade e o uso das pesquisas estatísticas. No entanto, ao se precipitar em críticas genéricas e defender uma linha de aplicação asséptica das leis, o artigo incorre em alguns equívocos.
O direito não é um ramo da literatura dedicado a interpretar textos legais. É um conjunto de instituições sociais, que tem por objetivo civilizar o homem e pacificar a vida em sociedade. As decisões de um tribunal não são abstrações lógicas, e o direito persegue objetivos concretos, como reduzir a criminalidade, o desemprego, o congestionamento de processos e o número de empresas falidas, por exemplo.
Para tal, não basta aos juízes, especialmente os de tribunais especiais, apenas conhecer o texto legal. Devem estar atentos às consequências práticas de suas decisões. Isso passa pela análise de dados estatísticos relativos à realidade na qual o caso se insere.
Por isso, faz todo sentido o ministro Roberto Barroso, do STF, analisar as taxas de reforma recursal quando discute o início da execução da pena a partir da segunda instância. Se anteciparmos o cumprimento da sentença, quantas pessoas serão presas e depois soltas quando ocorrer o trânsito em julgado? Quantos condenados deixam de cumprir pena por conta da lentidão dos julgamentos em Brasília?
Produzir e entender esses números não é um jogo perigoso: é um passo elementar, indispensável mesmo, para que o debate não se perca em um palavrório descolado da realidade.
Obviamente, as pesquisas estatísticas podem apresentar falhas no planejamento ou execução. Mas esta é a vantagem da estatística: ela obriga os pesquisadores a explicitarem suas premissas, permitindo a reprodução e a avaliação crítica dos resultados pela comunidade.
Convenhamos que o halterofilismo bibliográfico praticado nos tribunais, por meio de citações doutrinárias e argumentos de autoridade, não permite o mesmo escrutínio, mas pode igualmente induzir ao erro.
Concluindo, a discordância em relação à metodologia de uma ou duas pesquisas não deveria motivar uma crítica indiscriminada ao uso da estatística nos tribunais. Tratase de uma generalização apressada.
Para que a Justiça cumpra sua função, é fundamental que tribunais e advogados se preparem para lidar com números.
ADILSON SIMONIS, 59, é conselheiro da Associação Brasileira de Jurimetria, professor livre docente e chefe do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática e Estatística da USP
MARCELO GUEDES NUNES, 41, é advogado, diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo, presidente da Associação Brasileira de Jurimetria e autor do livro “Jurimetria: como a Estatística pode Reinventar o Direito“
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