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Foto do escritorVera Moreira

[ARTIGO] Terceirização – devagar com o andor…

*Heliomar dos Santos Júnior       

Publicada no dia 31/03/2017, a Lei nº 13.429/2017 tem gerado grande comoção. De um lado há aqueles que entendem que a lei é um marco importante para criação de novos empregos, na medida em que permitirá, indistintamente, a terceirização de atividades, afastando o terrível critério subjetivo (e impreciso) de terceirização de “atividade-fim” ou de “atividade-meio”.

Porém, há também quem defenda que tal norma implicará a precarização das relações de trabalho, servindo tão somente para que as empresas reduzam seus custos operacionais com prejuízo da manutenção de condições de trabalho dignas.

Porém, com todo o respeito, nos parece que ambas interpretações se mostram equivocadas.

Em primeiro lugar, inúmeras são as normas legais que, ao longo dos anos, visando regulamentar determinadas profissões e atividades, expressamente, declararam a inexistência de vínculo empregatício.

Nesse sentido, podemos destacar:

LEI Nº 4.886, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965 (Regula as atividades dos representantes comerciais autônomos).

Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.

LEI Nº 12.023, DE 27 DE AGOSTO DE 2009 (Dispõe sobre as atividades de movimentação de mercadorias em geral e sobre o trabalho avulso).

Art. 1º As atividades de movimentação de mercadorias em geral exercidas por trabalhadores avulsos, para os fins desta Lei, são aquelas desenvolvidas em áreas urbanas ou rurais sem vínculo empregatício, mediante intermediação obrigatória do sindicato da categoria, por meio de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho para execução das atividades.

LEI Nº 6.530, DE 12 DE MAIO DE 1978(regulamenta a profissão de Corretor de Imóveis).

Art. 6º […]

  1. 2º O corretor de imóveis pode associar-se a uma ou mais imobiliárias, mantendo sua autonomia profissional, sem qualquer outro vínculo, inclusive empregatício e previdenciário, mediante contrato de associação específico, registrado no Sindicato dos Corretores de Imóveis ou, onde não houver sindicato instalado, registrado nas delegacias da Federação Nacional de Corretores de Imóveis.

LEI Nº 11.442, DE 5 DE JANEIRO DE 2007(Dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros).

Art. 5º As relações decorrentes do contrato de transporte de cargas de que trata o art. 4º desta Lei são sempre de natureza comercial, não ensejando, em nenhuma hipótese, a caracterização de vínculo de emprego.

LEI Nº 9.504, DE 30 DE SETEMBRO DE 1997(Estabelece normas para as eleições).

Art. 100.  A contratação de pessoal para prestação de serviços nas campanhas eleitorais não gera vínculo empregatício com o candidato ou partido contratantes, aplicando-se à pessoa física contratada o disposto na alínea h do inciso V do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.

LEI Nº 9.608, DE 18 DE FEVEREIRO DE 1998(Dispõe sobre o serviço voluntário)

Art. 1º[…]

Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.

Porém, é usual que a Justiça do Trabalho declare a existência de vínculo em situações envolvendo trabalhadores que exerçam tais profissões e atividades, por entender que estariam presentes os requisitos de subordinação, não-eventualidade, onerosidade e pessoalidade, previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.

Pior, não se pode esquecer que, em dezembro de 1994, numa tentativa de “flexibilizar” as relações de trabalho, foi aprovada a Lei º 8.949/1994 que incluiu um parágrafo único ao artigo 442 da CLT, com a seguinte redação:

Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.

Muitas empresas viram em tal norma a possibilidade de reduzir seus custos operacionais, escapando dos rigores da Súmula 331 do TST (que havia sido publicada nos estertores de 1993) e que veda a terceirização de atividades fins.

Nessa esteira, não foram poucas as empresas que optaram por contratar “cooperativas”.

A resposta da Justiça do Trabalho foi rápida, dura e definitiva: enfrentando uma avalanche de ações trabalhistas ajuizadas por trabalhadores cooperados que tiveram seus direitos sonegados, o Judiciário não se furtou de reconhecer a existência de relações de emprego com as empresas tomadoras.

De fato, criou-se um verdadeiroestigma de que toda cooperativa seria fraudulenta, entendimento esse que perdura até hoje no seio daquela Justiça Especializada.

Assim, o fato do § 2º, do artigo 4º da Lei 13.429/2017 estabelecer que “Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”, não deve ser entendido como uma “carta branca” para que as empresas terceirizem todas e quaisquer atividades.

Nesse sentido, inclusive, o § 1º o citado artigo estabelece “a empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores”.

Logo, se restar demonstrado que a direção do trabalho está a cargo da tomadora, haverá violação à Lei nº 13.429/2017, resultando em grande risco de reconhecimento de vínculo com aquela.

Portanto, caso não sejam observados os mínimos cuidados que visem afastar o preenchimento dos requisitos legais para caracterização de relação de natureza empregatícia (notadamente subordinação e pessoalidade), a realidade pode guardar surpresas nada agradáveis para as empresas que terceirizarem atividades…

Contudo, mesmo para as empresas que observem tais cuidados, não se pode esquecer que a jurisprudência trabalhista já dispõe atualmente de mecanismo capaz de afastar qualquer tentativa de precarização de direitos.

Nesse sentido, não se pode esquecer que a Orientação Jurisprudencial nº 383 da SBDI-1 do TST estabelece que:

  1. TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, “A”, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974. (mantida) – Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, “a”, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.

Apesar de a Orientação em comento, em princípio, ser aplicável apenas aos prestadores de serviços à Administração Pública, não ficaríamos surpresos se a Justiça do Trabalho, revendo seu posicionamento, passasse a estender sua aplicação a toda e qualquer terceirização, até mesmo porque tal extensão teria respaldo no princípio constitucional da isonomia.

Esse cenário, contudo, pode vir a ser alterado, caso a redação constante noParecer do Relator do PL 6787/2016 (também denominada de Reforma Trabalhista), não sofra alterações, de modo que venha a ser aprovada a disposição constante naquele no sentido de que “contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo” (destacamos).

Nesse contexto, em princípio, o risco acima restaria bastante mitigado.

De toda forma, nos parece que a Justiça do Trabalho já dispõe de mecanismos para coibir quaisquer fraudes e abusos envolvendo a aplicação da Lei nº 13.429/17, de modo que as empresas devem avaliar com muita cautela qualquer decisão, a fim de não se exporem a passivos insuspeitos.

Portanto, recomendamos que qualquer decisão a respeito de terceirização seja devidamente sopesada e, principalmente, estruturada, a fim de que não resulte em mera precarização de direitos, sob risco de que a banalização do instituto resulte em sua absoluta desqualificação pela Justiça do Trabalho, assim como já ocorreu em relação ao trabalho cooperado.

*Heliomar dos Santos Júnior é advogado, sócio no Paulo Sergio João Advogados

Vera Moreira Comunicação – Assessoria de Imprensa

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