*Paulo Sergio João
Atualmente é questionável se o Direito do Trabalho ainda se mantém com o mesmo conteúdo de sua origem ou se teria perdido, diante das transformações tecnológicas na produção de serviços, o viés exclusivista e de proteção dos trabalhadores submetidos à condição de empregados, assalariados, subordinados e com serviços prestado por conta alheia. Nesta hipótese, os princípios informadores e formadores da aplicação da legislação trabalhista têm enfrentado desafios e dilemas.
A era da digitalização e da inteligência artificial gera a ideia de que todos somos super heróis com absoluta autonomia e independência. Somos capazes de navegar em espaços inimagináveis, porque as oportunidades de trabalho estão nas nuvens na distância de um clic. De forma inegável, o modelo de economia digital, em especial a chamada sharing economy, revolucionou o modo tradicional de prestação de serviços e o conceito de subordinação, usualmente utilizado para inserir o trabalhador no campo de proteção da relação de emprego. Deste modo, é natural que a legislação, amparada em modelos de outrora, encontre dificuldades e contradições na sua aplicação e os princípios do Direito do Trabalho se aplicam de modo circunstancial, isto é, considerando fatores especiais na dinâmica da modernidade e precariedade do envolvimento no conteúdo das relações trabalhistas e humanas.
Zygmunt Bauman (“Modernidade líquida”, Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2001, tradução de Plínio Dentzien) observa que a vulnerabilidade e a precariedade é a característica do mundo em que vivemos, o desemprego é estrutural e a cada nova vaga alguns empregos desaparecem e o progresso tecnológico “tende a anunciar cada vez menos e não mais empregos”.
A Lei n. 13.429/17, que regulamentou a terceirização, valorizou o modelo de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica em qualquer tipo de atividade e a Lei n. 13.467/17, que vive sob o fogo de tentativas de alterações, parece ter valorizado a autonomia da vontade individual. Estas são as previsões legais que sustentam as relações jurídicas na chamada era digital, caracterizada pelo individualismo, pela falta de solidariedade e pela pouca aderência ao trabalho.
As condições previstas em lei, base jurídica a estabelecer as novas relações de trabalho, não seriam condenáveis caso o Estado pudesse dar resposta à sociedade, aos seus cidadãos, com uma base de proteção social mais ampla, que não dependesse exclusivamente da condição de empregado. Em palavras outras, a omissão de efetiva proteção social pelo Estado, transfere a responsabilidade para a iniciativa privada cujo ideal de segurança é o trabalho “de emprego” qualquer que seja a forma de seu convencimento.
Neste momento de transição ou de revolução nos modelos de trabalho é natural que os princípios carregados por Plá Rodriguez (“Princípios do Direito do Trabalho,” São Paulo, Ed. Ltr. 1978, tradução de Wagner Giglio) sejam ameaçados ao abandono ou que, pelo menos, mereçam readequação na sua aplicação em especial atenção ao paradigma das novas relações de trabalho. Adverte Plá Rodriguez que “o caráter fragmentário (do Direito do Trabalho) e sua tendência para o concreto conduzem à proliferação de normas em contínuo processo de modificação e aperfeiçoamento”.
Deste modo, os dilemas e desafios às transformações nos métodos de organização do trabalho acompanham o Direito do Trabalho desde sua histórica formação e a capacidade de adaptação sempre atendeu de forma adequada à realidade dos fatos.
*Paulo Sergio João é advogado e professor de Direito Trabalhista da PUC-SP e FGV.
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