Em 2014 e 2016 o Brasil terá diante de si dois imensos desafios: organizar a Copa do Mundo FIFA e os Jogos Olímpicos, os dois maiores eventos esportivos do mundo. Muito se fala e se escreve sobre a organização destes eventos e as oportunidades que podem gerar para a economia do país, contudo, apenas é possível entender a complexa estrutura que ampara eventos desse porte quando se compreende qual a natureza, competências e papéis das entidades que mais diretamente estão a eles relacionadas: a FIFA, o COI, a CBF e o COB.
A Constituição brasileira estabelece em seu art. 217 os princípios básicos que regem o esporte no Brasil. Dentre estes, o mais relevante diz respeito à “autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento”, sendo também importante mencionar que a destinação de recursos públicos, por força da norma constitucional, restringe-se ao esporte educacional e, em casos específicos, ao esporte de alto rendimento.
Este princípio é recebido na chamada Lei Pelé (Lei 9.615/98) que em seu artigo 16 explicita a extensão desta autonomia: “Art. 16. As entidades de prática desportiva e as entidades nacionais de administração do desporto, bem como as ligas de que trata o art. 20, são pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomo, e terão as competências definidas em seus estatutos.”
Desta forma, as entidades que administram o desporto no Brasil e representam o país junto aos entes internacionais, possuem uma ampla autonomia e sua gestão é alheia a ingerência do Estado, ainda que obtenham acesso a recursos públicos, como ocorre com o COB1.
As estruturas legais do esporte olímpico (COI) e do futebol (FIFA) seguem parâmetros similares. COI e FIFA são ambas, de um ponto de vista jurídico, associações de direito privado, sem fins lucrativos, com sede na Suíça e funcionamento conforme as leis deste país.
De um modo prático, são associações que congregam um ente em cada país (no caso do Brasil, CBF e COB respectivamente) e entidades continentais. Desta forma, CBF e COB são integrantes e devem submeter-se às normas da FIFA e COI sob pena de desfiliação. Internamente, CBF e COB também são associações de direito privado, sem fins lucrativos.
Neste caso, a aplicação de recursos públicos é objeto de fiscalização pelo Tribunal de Contas da União. É dessa forma associativa que os organismos internacionais impõem suas condições a seus filiados e por via transversa impedem até mesmo que questões sejam submetidas aos judiciários nacionais, sob penas severas como até mesmo a desfiliação de seus associados.
Muito embora as candidaturas do Brasil para sediar a Copa do Mundo FIFA e do Rio de Janeiro para sediar os Jogos Olímpicos tenham contado com a chancela do Estado, o fato é que a organização destes eventos é um negócio realizado entre duas entidades de direito privado e que fogem – ao menos a princípio – da chancela do Poder Público, especialmente quando se fala da Copa do Mundo FIFA.
Os benefícios que se vislumbram com a organização destes eventos justificam os grandes investimentos que o poder público assume, e de fato a movimentação causada na economia e os avanços na infraestrutura são condições sine qua non para que o país possa figurar como sede.
Todavia, Copa e Olimpíadas são os dois grandes produtos da FIFA e do COI, que delega aos seus associados locais (CBF e COB) todos os ônus e uma parte dos ônus da organização. No caso dos Jogos Olímpicos, o Município também assume solidariamente a responsabilidade pela organização do evento.
Deste modo, se os investimentos e contratação das atividades relacionadas a infraestrutura decaem sobre o poder público, uma enorme gama de atividades e negócios são gerenciadas e contratadas pelos comitês organizadores que são criados pelo COB ou no âmbito da CBF.
Estas atividades são diversificadas e representam grande oportunidade de negócios para vários setores da economia, valendo exemplificar: Terceirização de mão de obra; Seguros de responsabilidade civil; Transportes; Construção; etc.
Contratualmente, tanto a FIFA como o COB atribuem aos comitês organizadores as obrigações de operacionalização do evento, guardando para si apenas as funções de supervisão com ingerência apenas nas questões mais relevantes.
O que se verifica, portanto, é que muito se fala nas oportunidades de negócio e de avanços em infraestrutura em função da realização da Copa do Mundo FIFA e dos Jogos Olímpicos no Brasil, mas as oportunidades de negócio vão muito além da construção e expansão de meios de transporte, estádios, etc.
Guilherme de Carvalho Doval, advogado do Almeida Advogados – Direito Corporativo – gdoval@almeidalaw.com.br
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