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Foto do escritorVera Moreira

[FAQ] Jurimetria poderá contribuir com o poder público e os legisladores nas anunciadas reformas pol


A Jurimetria é uma especialidade do Direito que trabalha com dados estatísticos na análise de informações que podem auxiliar na formatação de leis e regulamentações das anunciadas reformas política, previdenciária, trabalhista e regras licitatórias.

Ao descrever a vida concreta do direito, a Jurimetria se torna uma ferramenta fundamental para desenvolver instituições jurídicas mais justas e capazes de realizar as aspirações políticas da sociedade”, explica o advogado Marcelo Guedes Nunes, advogado e presidente da Associação Brasileira de Jurimetria, que lança o livro – “Jurimetria – como a estatística pode reinventar o Direito”.

Nessa entrevista, o autor explica como a Jurimetria é indispensável nesse momento para pensar a modernização do Brasil.

Qual a definição de Jurimetria?

A Jurimetria parte da premissa de que o direito não se esgota no estudo teórico das leis. Temos de estudar também os processos de decisão através dos quais todas as normas, gerais e individuais, são formuladas. A Jurimetria também assume que este estudo precisa ser concreto, ou seja, deve situar seu objeto no tempo e no espaço e investigar os principais fatores capazes de interferir nos seus resultados. E a Jurimetria acredita que o estudo dos processos de decisão deve abandonar pretensões deterministas e admitir no ambiente acadêmico aquilo que sempre se admitiu no ambiente profissional: que a complexidade da ordem jurídica não permite afirmações absolutas e que o direito, como tudo que envolve a vontade humana, é variável e incerto.

A Jurimetria vai ajudar a resolver os problemas do judiciário?

“Claro que problema da litigiosidade no Brasil está longe de ser resolvido e desde a criação do CNJ os números vem piorando. Mas a lição dessa primeira dé­cada reforça a necessidade de o administrador público deixar de lado improvisos e intuições para se profissionalizar e investigar de maneira objetiva como funciona a ordem jurídica. E é disso que trata a pesquisa empírica: conhecer a realidade para solucionar problemas. Essa afirmação pode soar como uma platitude, mas para o direito ela ainda expressa uma verdade nem sempre lembrada: um esforço científico sério precisa primeiro investigar a realidade para depois propor soluções. É a observação imparcial das coisas que permite entender como o sistema opera e detectar as causas que estão por trás das mazelas de nosso dia a dia. Os juristas precisam levantar o nariz dos alfarrábios, deixar por um momento as bibliotecas e partir para a investigação do mundo real. A erudição literária já impressionou no passado, antes do acesso à informação ser vulgarizado pela internet. Atualmente, o que impressiona é a criação de uma solução original para um problema efetivo. Nunca foi tão fácil citar ideias alheias. Difícil é ter uma ideia original.”

Quem já promove pesquisa jurídica?

Temos iniciativas da Fundação Getúlio Vargas – FGV, da So­ciedade Brasileira de Direito Público – SBDP, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, da Universidade de São Paulo – USP e da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ.

A que se deve essa mudança?

Acredito que diversos fatores colaboraram, desde o surgimento de novas tecnologias até o aumento da comple­xidade da atividade jurídica em geral. Primeiro, a insuficiência dos esforços teóricos para entender o direito e pro­mover reformas. Segundo, o aumento da complexidade e da quantidade de insti­tutos jurídicos no Brasil, criando uma massa de casos impossível de administrar sem o auxílio de metodologias empíricas. Terceiro, mas não menos importante, a informatização dos tribunais, das autarquias, dos escritórios de advocacia e das entidades ligadas ao direito em geral, o que facilita o acesso a dados sobre o funcionamento do direito. Quarto, o desenvolvimento das técnicas estatísticas e o aumento da capacidade de cálculo dos computadores. Quinto, o aumento da influência das metodologias de pesquisa empírica nas ciências sociais. E, por fim, em sexto lugar, o desenvolvimento da sociedade, que vem exigindo cada vez mais serviços de qualidade.

Por que, então, a resistência em utilizar a estatística?

Uma provável explicação está relacionada à forte influência da dimensão política nas discussões sobre a dinâmica da vida em sociedade. A ciência social tem por objetivo imediato entender o comportamento do homem, porém seu objetivo é contribuir para aperfeiçoar o funcionamento da socieda­de e melhorar a condição de vida das pessoas. Esse objetivo mediato perseguido pela ciência social é também, não por uma coincidência, o escopo principal dos debates políticos.

Toda discussão política revolve em torno de propostas sobre ideais de sociedade, igualitária ou meritocrática, a estatística tem condições de dar essas respostas?

Essa resposta é complexa: nenhum teste vai conseguir provar que a igualdade vale mais do que prosperidade, ou que a segurança vale mais do que a liberdade. A estatística é uma ferramenta neutra de análise da sociedade como ela é, sempre realista e às vezes incômoda, que pode contribuir para o seu aperfeiçoamento através de uma análise de adequação de meios a dados fins. Em comparação, a política é o campo das propostas ideais, do tráfico de sonhos e de aspirações. É uma área de pessoas preocupadas essencialmente com os objeti­vos finais, que por conveniência se esquecem de tratar dos meios necessários à sua implementação.

Normalmente, o debate sobre a viabilidade de qualquer proposta implica em uma discussão sobre seus custos. E os custos são sempre algo chato de lembrar, especialmente durante campanhas eleitorais. Daí a aversão da políti­ca, pelo menos em suas manifestações mais baixas e irresponsáveis, ao discurso consequencialista. Ninguém vence uma eleição prometendo um corte de gastos no governo ou um ajuste fiscal rígido. Você vence prometendo pavimentar ruas, construir milhares de escolas, postos de saúde e casas, ainda que não haja recursos para tanto. Essa ênfase em objetivos ideais somada ao descaso pelos meios reais de implementá-los ainda é um fator que distancia a política da estatística.

A aplicação da Jurimetria poderá ser uma métrica de resultados?

Há uma perceptível evolução na qualidade do debate, em parte viabilizada pela vulgarização de informações estatísticas sobre a situação da socie­dade. Os indicadores estatísticos são capazes de resumir o desempenho geral de um governo, permitindo a comparação dos projetos apresentados em campanha e os resultados efetivos da gestão. Se os candidatos são ainda hoje avaliados de forma emocional, seja pela origem social, pelo jeito de se vestir ou com base em experiências pessoais (o candidato pavimentou a minha rua quando foi prefeito ou deu uma dentadura para o eleitor), cada vez mais o debate técnico e impessoal ganha espaço, com uma pauta fundada essencialmente na discussão de indicadores socioeconômicos, como taxa de inflação, criminalidade e desemprego.

Qual a tendência preponderante no futuro?

Hoje, dois dos principais desafios a serem enfrentados por governos demo­cráticos giram em torno da estatística. O primeiro é aumentar e aperfeiçoar os indi­cadores sociais, disponibilizando dados atualizados para a população, certificados por entidades independentes que garantam a sua integridade, acompanhados das suas sérias históricas. Nas sociedades de massa e nos países de dimensões continen­tais, o povo só consegue enxergar o seu governo através da estatística. O segundo é educar a população e fazê-la entender a função desses indicadores. As aulas de estatística no ensino médio são tão importantes quanto as aulas de matemática. Explicar para um aluno de baixa renda o que é a taxa de inflação e como ela é capaz de corroer o salário do seu pai em poucos anos, ou como o índice de criminalidade do seu bairro é calculado e porque ele é maior do que em bairros mais abastados, é um meio de conscientização social. Se a matemática é o caminho para a inclu­são no mercado de trabalho, a estatística é o caminho para a cidadania e para a inclusão na vida política moderna.

Aperfeiçoar e tornar as reformas mais claras e eficazes?

A maior parte das pesquisas jurimétricas se baseia na observação da ordem jurídica e do comportamento espontâneo de reguladores e destinatá­rios, sem a realização de experimentos. É verdade que as reformas institucionais implementadas pelo governo e pela sociedade civil, que tenham impacto no fun­cionamento da ordem jurídica, podem em algumas oportunidades serem tratadas como semiexperimentos. Apesar de não serem controlados pelos pesquisadores, essas reformas podem viabilizar o teste de hipóteses através do monitoramento do seu efeito em diferentes grupos. A avaliação do impacto legislativo, por exemplo, deveria ser obrigatória. Se nós não podemos testar o sucesso de uma política antes de sua implementação, que pelo menos aproveite-se a oportunidade da promul­gação da lei para aprender com os seus resultados.

A diferença fundamental entre a abordagem jurimétrica e o dogmática está no uso de metodologia empírica. Na Jurimetria, um pesquisador apresenta sua suposi­ção sobre alguma característica da ordem jurídica e depois vai a campo coletar dados para confirmá-la ou rejeitá-la.

Olhando para o futuro, como a Jurimetria poderá contribuir com o poder público e os legisladores nas anunciadas reformas política, trabalhista e previdenciária?

A sociedade moderna exige maior capacitação e cobra resultados dos ges­tores sociais, incluindo os operadores do Direito. Estes resultados dependem de previsões a respeito dos efeitos que novas leis, estratégias advocatícias e decisões judiciais produzirão na realidade. Os operadores não podem mais propor reformas legislativas com base em intuições, não podem mais colocar em prática estratégias advocatícias com base em idiossincrasias e não podem mais administrar os tribunais respondendo a incentivos meramente políticos. As consequências das intervenções jurídicas na sociedade precisam ser conhecidas, ainda que por aproximação, antes que as decisões sejam tomadas.

Essas dificuldades, no entanto, estão sendo superadas. A informatização da administração pública permitiu o acúmulo espontâneo de amplas bases contendo dados a respeito de diversas instâncias governamentais, como, por exemplo, as bases da Receita Federal, das juntas comerciais, da Comissão de Valores Mobiliários, dos tribunais e dos diversos cadastros governamentais, como o cadastro de crianças em abrigos do CNJ, o cadastro de inadimplentes dos cartórios, o cadastro nacional de adoção, sobre os mais diversos aspectos de nossa vida social. Essas bases de dados são uma espécie de “pré-sal sociológico”, um seixo de dados brutos esperando ser minerado pelos pesquisadores.

Claro que diversas pesquisas ainda dependem da realização de coleta de dados em campo, até porque, por mais amplas que sejam, essas bases não serão capazes de responder a todas as perguntas. No entanto, existe ainda uma quantidade surpreen­dente de informação represada, acessível a um custo e prazo comparativamente menores do que os envolvidos em esforços de pesquisa de campo e coleta de dados em um país de dimensões continentais como o Brasil.

Será que esse não é o perigo? Mexer com as estruturas sócio políticas?

Há uma questão séria de responsabilidade para com as parcelas vulneráveis da sociedade. Se os tribunais são os hospitais da vida social e as leis são os medicamentos, os juristas e os legisladores têm a obrigação moral de garantir que os remédios ministrados na população produzirão os efeitos espera­dos. Isso, no entanto, não acontece.

O Poder Legislativo entende que o seu papel é legislar e que o seu trabalho termina quando uma lei é promulgada. Feita a lei, o legislador vira as costas e dá por encerrada a sua tarefa, contando que se houver problemas na aplicação da nova lei a sociedade civil, através das suas associações, institutos, OCIPs e ONGs, irá provocá-lo a agir novamente.

Essa passividade é errada. A maioria das pessoas não participa de organiza­ções civis e não toma parte em atos políticos, que não as eleições periódicas. Daí a existência de incontáveis mazelas, injustiças e problemas sociais que afetam grupos sem capacidade de articulação política. São as crianças abandonadas em abrigos aguardando adoção, são idosos de baixa renda que não encontram suporte na famí­lia e sofrem violência, são os pequenos empresários flagelados pela burocracia, os dependentes químicos que viraram moradores de rua.

As casas legislativas se tornaram reféns de lobistas e não conseguem mais representar seus eleitores. Qual a saída?

A solução para essa situação passa por uma ampla reforma política, não tenho dúvidas; mas passa também pela utilização da Jurimetria e da análise de impacto regulatório pelos legisladores. Os poderes da República deveriam trocar informações sobre a situação das parcelas vulneráveis da população e se aparelhar para monitorar periodicamente essas bases, organizando uma agenda positiva de discussões com especialistas, como objetivo de desenvolver uma agenda legisla­tiva ativa e criar metas regulatórias voltadas para a superação de problemas reais. Pelas mesmas razões, comissões permanentes de simplificação regulatória deveriam ser criadas para identificar normas inúteis ou disfuncionais.

Em uma frase, a proposta da Jurimetria é entender como a ordem jurídica funciona na prática.

FICHA TÉCNICA | Jurimetria – Como a estatística pode reinventar o direitoTítulo:Jurimetria – Como a estatística pode reinventar o direitoAutor:Dr. Marcelo Guedes NunesPáginas:200/Ano 2016ISBN:978-85-203-6794-0Selo editorialRevista dos Tribunais da Thomson ReutersFormatoBrochura – 16×23 cm

Versão digital disponível na plataforma Thomson Reuters ProViewTM

Sobre o autor

Marcelo Guedes Nunes é advogado, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre e doutor em Direito Comercial pela mesma Universidade, Diretor de Pesquisas do Instituto de Advogados de São Paulo (IASP) e  Presidente da Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ (www.abjur.org.br). Sócio do escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados – GNOR.

Sobre a ABJ – Associação Brasileira de Jurimetria

A jurimetria brasileira surgiu na PUC-SP, nas pesquisas que antecederam a elaboração da tese de doutorado de Marcelo Guedes Nunes, que em 2012 fundou a ABJ. Desde então, a entidade desenvolveu seminários com expoentes internacionais, parcerias com universidades estrangeiras, participação de eventos internacionais de jurimetria e realizou importantes estudos para o Conselho Nacional de Justiça, Tribunal de Justiça de São Paulo, Ministério Público, Confederação Nacional da Indústria e Instituto Sou da Paz. Os estudos da ABJ têm como objetivo trabalhar com entidades públicas e privadas na estratégia de aperfeiçoar os mecanismos de prestação jurisdicional e administração da justiça.

Vera Moreira / Assessoria de Imprensa Dr. Marcelo Guedes Nunes

+ 11 3253-0586 e 9 9973-1474  veramoreira@terra.com.br

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