Paulo Sergio João
A Medida Provisória 680, que pretende criar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), malgrado o caráter desnecessário da sua proposta e projeções hipotéticas de proteção de emprego e da economia do país, traz em seu bojo dois artigos relativos ao aporte do Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT) às empresas que não podem ser ignorados pelo legislador: o primeiro é o artigo 7º que se refere à alteração do artigo 22 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, que trata do custeio da previdência social; e, o segundo é o artigo 8º, que altera a redação do artigo 15, da Lei 8.036, de 11 de maio de 1990, relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Lembremos antes que o Programa de Proteção ao Emprego sugere que os empregados da empresa que se dispuser à sua adesão, após negociação com o sindicato da categoria preponderante, poderão ter o repasse de 50% do valor da redução salarial limitada a 65% do valor máximo da parcela do seguro-desemprego. Claro está que se tudo fosse verdade e o programa viesse a funcionar, a forma de repasse aos empregados seria por meio de compensação ao empregador que pagaria diretamente ao empregado o valor prometido pelo FAT. Assim está no artigo 3º e 4º da Medida Provisória.
A redução de ganho com redução de jornada criou um valor de transferência do FAT cuja natureza jurídica é de cunho eminentemente social, não salarial portanto, e que, por esta razão, deveria ficar excluída da base de contribuição previdenciária e dos recolhimentos ao FGTS. O socorro do governo aos trabalhadores, repita-se, é um benefício de natureza social, desvinculado da remuneração.
Todavia, a Medida Provisória 680, distanciou-se de conceitos jurídicos previdenciário e trabalhista fundamentais. Como se disse a MP alterou as Leis 8.212/1991, que trata do custeio da previdência social, e a Lei 8.036/1990, que se refere ao FGTS. A MP trouxe estas alterações dando nova redação a três dispositivos, com a precípua finalidade de manter a capacidade arrecadadora do Estado: alterou o conceito de salário de contribuição para a previdência social e, ampliando sua base de incidência, atribuiu ao benefício do FAT caráter remuneratório com incidência previdenciária e, em seguida, inovou na base remuneratória para determinar que também o benefício servirá para fins de recolhimento de FGTS.
Pelo primeiro aspecto, a alteração da legislação previdenciária, ao inserir a incidência de 20% a cargo das empresas sobre o valor da compensação pecuniária a ser paga no âmbito PPE criou obrigação estranha à base do fato gerador que sustenta o sistema de contribuição previdenciária, gerando obrigação fiscal sobre valor que está, de modo inconteste, desvinculado da natureza salarial porque não de se trata de retribuição feita pelo empregador e menos ainda não de pagamento por contraprestação de serviço.
Neste sentido, a Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, ao tratar do salário-de-contribuição no artigo 28, I, e no parágrafo 8º, antes da nova redação não considerava benefício de caráter social como integrante do salário de contribuição. A inclusão da letra “d” ao parágrafo 8º, do artigo citado, obriga também o empregador a recolher sobre a importância recebida pelo empregado como aporte do FAT a contribuição previdenciária devida pelo empregado. Afinal, conforme diz a Medida Provisória, o valor da compensação pecuniária passou a integrar o salário de contribuição.
Neste sentido, aliás, o parágrafo 9º, alínea “a”, do artigo 28, da lei de custeio citada, ao se referir a parcelas que não integram o salário-de-contribuição foi taxativo ao afirmar que os benefícios da previdência social estariam excluídos. A compensação pecuniária criada pelo PPE é de forma flagrante um benefício de natureza jurídica social que, em outras legislações, se chamaria desemprego parcial.
Completando o círculo, já que a “ajuda” do FAT foi inserida no conceito alterado de salário de contribuição, passou também a ser objeto de recolhimento de FGTS, razão pela qual o artigo 8º da Medida Provisória, deu nova redação ao artigo 15 da Lei 8036/90 que trata do FGTS para impor a obrigação de recolhimento sobre a compensação pecuniária do PPE.
Ora, se o FGTS deve incidir sobre valores de natureza jurídica remuneratória, recebidos pelos empregados a título de contraprestação de serviços, a compensação pecuniária não poderia ser considerada parte da base de recolhimentos ao FGTS porque acabou criando novo encargo tributário.
O FAT, de modo geral, é constituído pelas contribuições do PIS/Pasep que tem como fonte de recursos 0,65% sobre o faturamento bruto das empresas; 1% sobre a folha de salários das entidades sem fins lucrativos; e 1,65% sobre a importação de bens e serviços. Deste modo, considerando que os valores do FAT são oriundos de imposto, num passo de mágica, não podem se transformar, de acordo com o Programa proposto, em base de contribuição fiscal à previdência social e que adquiram natureza remuneratória para o FGTS.
Talvez o meio utilizado de Medida Provisória seja inadequado tanto para a incidência de contribuição previdenciária como para o recolhimento de 8% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Por vias indiretas a Medida Provisória está criando uma obrigação fiscal previdenciária e descaracterizando o conceito de salário para o recolhimento do FGTS com aparente violação dos artigos 150 e 151 da Constituição Federal.
Paulo Sergio João é Advogado e Professor da PUC-SP e Fundação Getúlio Vargas
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