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Foto do escritorVera Moreira Comunicação

Meu primeiro livro digital

O suporte eletrônico é, atualmente, muito utilizado no registro de informações úteis. Registrar informação em meio eletrônico significa armazená-la numa seqüência binária – uma imensa sucessão de zeros (0) e uns (1), quer dizer, de sensibilizações elétricas nos filamentos do chip (os zeros) e de ausências de sensibilização (os uns). Assim armazenada, a informação se torna acessível por muito mais pessoas. O suporte eletrônico amplia consideravelmente o conhecimento. Aliás, a relação é direta: quanto mais aperfeiçoado o suporte, maior o universo de pessoas alcançadas pela informação. Se o registro em pedra, argila ou papiro foi, certamente, lido por muito menos gente que idêntica informação impressa em livro-papel, o meio eletrônico permite ainda maior propagação de ideias. Quando, há uns vinte anos atrás, o computador entrou em nossas casas e, em seguida, apareceu a internet, falaram no surgimento de uma nova dimensão, a virtual. A ideia foi extensamente explorada. Levando-a ao extremo, há quem se vista de avatar, para experimentar a “segunda vida”. Mas, como propôs Select, de Paula Alzugaray, a era virtual já terminou – não retornamos ao analógico, mas, como o digital se incorporou de tal modo ao nosso cotidiano, soa anacrônico continuarmos falando numa dimensão paralela. Nesta era pós-virtual, o livro digital se dissemina sem despertar maiores curiosidades ou estranhezas. A ponto de passar quase desapercebido serem, a rigor, três coisas bem diferentes chamadas de “livro digital”: o digital pirata, o e-book e o livro-aplicativo. O digital pirata é a digitalização do livro-papel por pessoa não autorizada, para venda por download na internet. É prática lesiva aos escritores e editores, que evidentemente não recebem nenhuma remuneração. A defesa dos direitos intelectuais é impraticável: os custos para localizar e processar o pirata são consideráveis e irrecuperáveis, e nada impede que, identificado e processado, o pirata facilmente reinicie, seguidas vezes, a pirataria. O e-book é outra coisa, completamente diferente do pirata, mas também chamado de livro digital. A diferença não está somente no respeito aos direitos intelectuais. Enquanto o digital pirata é uma simples transposição do livro-papel para o meio eletrônico, num arquivo sem graça, o e-book recebe roupagem própria, que o embeleza e valoriza. Há duas gerações de e-book. Na primeira, o texto impresso passa a ser veiculado por meio eletrônico. O produto permite ao leitor algumas facilidades inexistentes no livro-papel, como a reconfiguração das fontes e a utilidade de trazer, à mão, muito maior quantidade de obras. Mas ainda é o mesmo texto, o mesmo livro, que tanto pode ser lido em papel como na tela do computador. Na segunda geração de e-books, agregam-se ao texto filmes e trilha sonora, como forma de estimular a leitura, ou torná-la uma experiência diferente. É um livro para ser assistido (ou um filme para ser lido?). Parece mais uma nova espécie de entretenimento, para as pessoas que precisam, diante do escrito, de estímulos extras para se divertirem. Bom proveito. A terceira coisa, em suporte eletrônico, também chamada de livro digital, é o livro-aplicativo. Diferente do digital pirata e do e-book, o seu texto não foi originariamente concebido para veicular-se em papel e, depois, transposto à mídia eletrônica. O livro-aplicativo é concebido e escrito para ser lido apenas neste suporte. Desde o início, em razão dos hiperlinks na estruturação do conteúdo, ele não pode ser lido em papel. Escrevi um livro-aplicativo. É uma obra didática, na área jurídica, que tem por base meu livro-papel de maior vendagem. Quando levei a obra à editora, tive dificuldade, no início, para que entendessem o novo produto. O primeiro protótipo desenvolvido contava com ícone para impressão e reproduzia, na tela do computador, a imagem e a sonoridade do movimento de páginas virando. Pensaram que era mais um e‑book. Insisti no conceito: eu tinha escrito um livro que não podia ser lido em papel; nada, nele, deveria evocar a experiência da leitura neste suporte. O livro aplicativo não serve apenas para os textos didáticos. Fico imaginando que grandes escritores poderiam propor, por hiperlinks, outras alternativas de leitura de um Memórias Póstumas de Brás Cubas, por exemplo. A curiosidade do leitor criando, enquanto lê, novas narrativas da trama de Machado de Assis – seria algo semelhante ao que, em papel, já fizeram Antonio Callado, Lygia Fagundes Telles, Osman Lins e outros com o Missa do Galo, também da obra machadiana. O conceito básico do livro-aplicativo parte da constatação de que a internet mudou nosso modo de leitura e apreensão de informações. No mundo pós-virtual, as contextualizações são mais evidentes e amplas, e deparamo-nos sempre com sugestões de remissões rápidas a conteúdos de apoio ou aprofundamento. São possibilidades completamente exploráveis apenas pelo meio eletrônico, que moldam (remodelam?) nosso pensamento. As pessoas estão lendo de modo diferente; na verdade, estão pensando de modo diferente. É chegada a hora de os escritores escreverem de modo diferente.

Fábio Ulhoa Coelho é jurista e Professor da PUC-SP.

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