*Paulo Sergio João
Muitos foram os debates em torno do reconhecimento do vínculo de emprego ao longo da história dos conflitos trabalhistas ajuizados perante a Justiça do Trabalho. A busca do suposto acolhimento da proteção nas normas da CLT significou, para muitos, o amparo a direitos e a reparação por atos de exclusão praticados na relação de trabalho. A prática usual era que se buscassem os elementos de tipificação da figura do empregado nos termos do artigo 3º da CLT, unindo a pessoalidade, a continuidade, trabalho por conta alheia, subordinação e o salário.
Todavia, as relações de trabalho se alteraram profundamente e, nem sempre, quando se encontra a pessoalidade, constatamos a subordinação. Ou, quando o trabalho é por conta alheia, pode não haver subordinação, como no caso do trabalho intermitente em que o trabalhador pode recusar a convocação do empregador. E por aí vai. Em todas as condições configuradoras de vínculo de emprego, parece ter havido uma contaminação de outras relações de trabalho com características próximas, mas não completas de forma absoluta, que, entretanto, em alguns casos, reconhece direitos assemelhados aos do vínculo de emprego, tal como nas cooperativas, no trabalho temporário, no trabalho avulso.
Novas formas de prestação de serviços foram inseridas para prestigiar oportunidades de trabalho. Exemplificativamente, a atividade intelectual, da Lei 11.196/2005, artigo 129; o transportador autônomo de cargas, Lei 11.442/2007; o trabalho temporário e aquele prestado por meio de pessoa jurídica da Lei 6.019/74, alterada pela Lei 13.429/17; o trabalhador avulso; o diretor estatutário; o trabalho por meio de cooperativa; o trabalho do microempreendedor individual (MEI) da Lei Complementar 128/2008.
Curiosamente, na relação de emprego, com certa frequência, busca-se um equilíbrio entre ser empregado comum e empregado qualificado, sendo este último diferenciado pelo cargo, remuneração, nível intelectual, formação profissional em verdadeira estratificação do gênero empregado. Alguns, se é que se pode dizer assim, são mais empregados que outros porque sofrem mais restrições no exercício da liberdade durante o tempo em que se comprometeu a entregar a força de trabalho. Em palavras outras, os elementos que identificam o empregado não se aplicam, de fato, com rigidez, gozando o trabalhador, segundo o nível de qualificação e modalidade de entrega do trabalho, de privilégios especiais. Nesses casos, o empregado se liberta das amarras de controle direto, fazendo-se sentir com liberdade na atividade profissional, figurando quase que como um falso empregado, sem jornada e local de trabalho definidos.
O trabalhador autônomo, pela forma de atuação pessoal e, ainda, pelas demais características que a prestação de serviços pode apresentar, costuma-se dizer que fica na zona cinzenta entre a condição de empregado e a de autônomo. Como independente, goza de liberdade quanto ao tempo e modalidade de prestar serviços. Todavia, não pode trabalhar em qualquer momento porque deve respeitar horários comerciais e outras limitações disciplinares decorrentes da sua própria atividade profissional. É, pois, um falso autônomo, mas não é empregado.
Então o falso autônomo e o falso empregado se confundem em determinado momento quanto à flexibilização na prestação de serviços de um lado, com a limitação da independência no exercício da atividade profissional ou em razão de fatores peculiares do próprio mercado de trabalho. Deste modo, as duas situações, autônomo e empregado, podem encontrar-se e se colocar em igualdade quando se trata de analisar o conteúdo obrigacional do contrato e a forma pela qual o produto de trabalho deverá ser entregue, observadas as condições da execução dos serviços. A autonomia absoluta não existe, assim como alguns empregados gozam de benefícios na entrega do trabalho que poderiam confundi-los como independentes.
Nesse sentido, o falso autônomo não deveria ser considerado empregado por razões intrínsecas da própria situação de trabalho em que se coloca, por exemplo, padrões de comportamento ou de apresentação de produtos porque são valores e obrigações do exercício da atividade profissional comum a todos que se relacionam mediante contrato. A condição obrigacional e contratual é celebrada para seu cumprimento e sem comprometimento da liberdade do agente.
Talvez a grande dificuldade de compreensão das duas situações comunicantes, mas inconfundíveis juridicamente, esteja no modelo proteção social paternalista estatal que tem a percepção de que somente a condição de empregado assegura garantias imediatas de subsistência. Fosse isso verdade, não teríamos mais de 12 milhões de desempregados.
*Paulo Sergio João é advogado, professor de Direito Trabalhista da PUC-SP, FGV-SP e FACAMP.
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