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Foto do escritorVera Moreira Comunicação

Reflexões Sobre a Recente Decisão do STJ a Respeito da Publicidade de Medicamentos

*Por Jener Jardim e Paula Couto




Recentemente, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um caso envolvendo relevante questão regulatória sobre propaganda comercial de medicamentos e a competência da ANVISA para regular e fiscalizar esse tipo de publicidade, no âmbito do Recurso Especial nº 2035645 / DF.


No caso, a ANVISA aplicou sanções à farmacêutica Aspen Pharma, com base em violações à Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 96/2008, que impôs restrições à publicidade de medicamentos além do que é previsto na legislação federal.


A referida empresa farmacêutica ajuizou ação ordinária, buscando impedir que a ANVISA aplicasse qualquer sanção decorrente do descumprimento dos dispositivos da RDC nº 96/2008. Em primeira instância, o pedido da Aspen foi julgado parcialmente procedente, suspendendo os efeitos da mencionada Resolução, mas mantendo a fiscalização da ANVISA, desde que limitada às atribuições previstas na Lei nº 9.294/1996 (que estabelece restrições ao uso e à propaganda de medicamentos,) e na Lei nº 9.782/1999 (que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e cria a ANVISA). O mesmo entendimento foi mantido em segunda instância, levando a ANVISA a recorrer ao STJ.


Assim, a controvérsia consistia em determinar se ao editar a RDC nº 96/2008, a ANVISA ultrapassou os limites do seu poder normativo, bem como avaliar a validade jurídica dessa Resolução.


Nos termos da Constituição Federal, especificamente no art. 220, § 3º, II, e § 4º, a competência para regular a propaganda comercial de medicamentos é atribuída à Lei Federal, impossibilitando a criação de restrições por meio de atos infralegais, como Resoluções. É a Lei nº 9.294/1996, em seu art. 7º, que define as restrições ao uso e à propaganda comercial de medicamentos. Uma das limitações previstas na legislação é a restrição da publicidade de medicamentos e terapias a publicações especializadas, direcionadas exclusivamente a profissionais e instituições de saúde (art. 7º, caput). Excepcionalmente, medicamentos anódinos e de venda livre podem ser anunciados nos meios de comunicação social, desde que acompanhados de advertências quanto ao seu abuso (art. 7º, § 1º).


Além dessas restrições, é necessário analisar a questão à luz da legislação sanitária. O art. 7º, III, da Lei nº 9.782/1999 atribui à ANVISA o dever de “estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária”. Isso inclui “controlar, fiscalizar e acompanhar, sob o prisma da legislação sanitária, a propaganda e publicidade de produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária” (art. 7º, d, XXVI). Ademais, o art. 8º, § 1º, I, da mesma Lei, dispõe que a atuação da agência em relação a medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias, deve respeitar a legislação vigente.


Portanto, tais dispositivos subordinam a atividade da ANVISA à Lei pertinente: a Lei nº 9.294/1996. Dessa forma, enquanto a Lei trouxe regras mais brandas, a RDC nº 96/2008 impôs restrições mais amplas e rigorosas do que as previstas na legislação. Por exemplo, a Resolução veda: a propaganda indireta em cenários de espetáculos e filmes (art. 4º); a publicidade que inclua imagens de pessoas utilizando medicamentos (art. 8º, III); a sugestão de que o medicamento possui características agradáveis, como sabor (art. 8º, VI); o uso de certas expressões e linguagem na publicidade de medicamentos isentos de prescrição médica (art. 26), dentre outras.


Conforme se observa dos dispositivos mencionados, não existe respaldo legal para que a ANVISA edite atos normativos que restrinjam as ações de agentes privados, especialmente, se tais normas excederem os limites estabelecidos na Lei nº 9.294/1996.


Em que pese o poder normativo concedido às agências reguladoras, a ANVISA, ao editar a RDC nº 96/2008, excedeu suas atribuições ao impor restrições que não são compatíveis com a Lei nº 9.294/1996.


Diante disso, a 1ª Turma do STJ concluiu que a ANVISA não possui competência para legislar ou criar obrigações que vão além do que a legislação prevê para a publicidade de medicamentos. Isso porque, as agências reguladoras devem agir apenas dentro dos limites legais, sem impor regras adicionais que restrinjam a propaganda comercial de medicamentos.


Assim, o STJ considerou que a RDC nº 96/2008 é ilegal, afirmando que a ANVISA deve restringir-se a fiscalizar e controlar a publicidade de medicamentos, sem extrapolar suas atribuições ou criar exigências que não tenham base legal.


Por fim, a decisão reconheceu a necessidade de atualização das normas sobre a publicidade de medicamentos para alinhá-las às disposições do art. 220, § 3º, II, e § 4º da Constituição Federal. Nesse sentido, recomendou-se que as conclusões da decisão fossem encaminhadas ao Congresso Nacional e ao Ministério da Saúde.


Embora a decisão do STJ ainda não tenha transitado em julgado, suas consequências são significativas tanto para a ANVISA, quanto para as empresas do setor farmacêutico.


A confirmação de que a ANVISA não pode criar regras para propaganda comercial de medicamentos além das que já existem pode levar a uma revisão das práticas regulatórias da agência para atender aos limites estabelecidos pela Lei nº 9.294/1996. Além disso, essa decisão pode incentivar uma revisão legislativa sobre a publicidade de medicamentos, considerando as novas realidades do mercado e a demanda por uma comunicação mais clara e responsável. Inclusive, a decisão do STJ destacou essa necessidade de aperfeiçoar a legislação sobre o tema.


Para as empresas farmacêuticas, essa decisão pode trazer oportunidades, proporcionando mais liberdade na divulgação de seus produtos, desde que em conformidade com a Lei nº 9.294/1996. Como a RDC nº 96/2008 impõe restrições mais rigorosas e foi considerada ilegal, a ausência dela permite que o mercado desfrute de normas publicitárias para medicamentos menos restritivas. Também é possível que o setor farmacêutico mobilize esforços conjuntos em busca de mudanças legislativas que promovam um ambiente regulatório mais equilibrado e favorável ao setor.


*Jener Jardim e Paula Couto são advogados do Di Blasi, Parente & Associados

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