*Paulo Sergio João
É inegável que a partir da Lei nº 13.467, de 2017, as relações coletivas de trabalho deveriam passar por grande transformação. Os sindicatos perderam o vínculo jurídico que os fazia representante formal das chamadas categorias profissionais, ou seja, a contribuição sindical, recebida por meio de concessão de código sindical do Ministério do Trabalho, que habilitava a entidade a cobrar as contribuições sindicais. Com a adoção do critério facultativo da contribuição, a formação de sindicatos tenderia a se tornar mais livre inclusive em relação ao modelo de organização por categoria profissional ou não.
Antes mesmo da reforma trabalhista de 2017, a Constituição da República aboliu qualquer dependência de autorização do Estado para o reconhecimento de sindicato (artigo 8º, I). Significa dizer que a vetusta Comissão de Enquadramento Sindical, juntamente com o quadro de atividades e profissões a que se refere o artigo 570, da CLT, foi enterrada pelo constituinte e que as regras que anteriormente à promulgação que dispunham sobre condições de formação de sindicatos: territorialidade, especificidade e outras foram literalmente revogadas. Desse modo, já desde 1988 deveria ser respeitada a autonomia e liberdade sindical dos interessados na formação de sindicatos.
Porém, o exercício da liberdade sindical encontrou disputas de representatividade, em especial confronto dos novos sindicatos com aqueles antigos, preexistentes à Constituição Federal de 1988. O Judiciário Trabalhista, chamado para julgar tais litígios, de modo usual, apreciava a questão sob o prisma formal, para dizer qual sindicato teria a representação da categoria, em geral utilizando-se de critérios inaplicáveis após outubro de 1988. Ignorava, por assim dizer, o Judiciário temas básicos como a representatividade e legitimidade da entidade criada pelos interessados.
Mais recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho, pela sua 2ª Turma (TST-RR-1257-64.2012.5.10.0801), em voto da lavra da ministra Maria Helena Mallmann, decidiu para reconhecer a representação do sindicato autor, Sindicato Nacional das Cooperativas de Serviços Médicos (Sincoomed), como representante das cooperativas de serviços médicos do estado do Tocantins, em detrimento do Sindicato e Organização das Cooperativas no Estado do Tocantins.
O fundamento utilizado no acórdão baseia-se no artigo 570 da CLT, que traz referência expressa ao modelo da categoria profissional específica de acordo com o quadro de atividades e profissões a que se refere o artigo 577, segundo proposta da Comissão de Enquadramento Sindical.
Constata-se que não se ateve o julgado à formação orgânica da união dos interessados e, juridicamente, não há óbice ao reconhecimento de entidades sindicais que atuem com legitimidade efetiva, condição esta superior e essencial na identificação da solidariedade da união dos interessados. Uma entidade com base territorial nacional não poderia se impor contra os interesses locais, ainda que agrupe outros ramos de atividades interessados.
Muito se discute quanto aos critérios de formação de novo modelo de organização sindical, sendo certo que a união de interessados pela chamada categoria já parece ser ultrapassada e, do ponto de vista da organização de trabalhadores, há inegável convergência de interesses comuns, independentemente do setor em que exerçam a atividade. A mesma afirmação de interesses comuns não se poderia dizer quando se trata de empresas cuja finalidade econômica de concorrência desarticula a união e pode remeter as negociações coletivas mais ao âmbito interno das empresas. Nesse sentido, a fixação de normas por meio de convenção coletiva de trabalho não parece adequada a atender a problemas locais.
O que efetivamente importa é a legitimidade do agrupamento e a consistência de representatividade dos interessados em detrimento do seu aspecto formal. Essa discussão não pode passar pelo crivo do Judiciário Trabalhista porque, como Estado, estaria impedido de interferir na formação de sindicatos ou do reconhecimento de sua legitimidade, ainda, julgando o exercício do direito à liberdade sindical.
*Paulo Sergio João é advogado e professor de Direito do Trabalho da PUC-SP
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