Limitações Tributárias à Evolução do MERCOSUL
Melina Joice Fioravante e Felipe Wagner de Lima Dias
Com o fim da Guerra Fria, muitos países perceberam a necessidade de se unirem em blocos econômicos para, mediante a quebra ou a mitigação de barreiras aduaneiras, fortalecerem suas economias nacionais.
A partir desta idéia, que já contava com diversos exemplos práticos ao redor do globo (tais como o Mercado Comum Europeu e o Pacto Andino), surgiu o interesse de alguns países sul-americanos em formar um bloco econômico regional.
Dado interesse levaria Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai a assinarem, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção, criando assim o chamado Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).
Num primeiro momento, o MERCOSUL se resumia a uma zona de livre comércio entre os países signatários, na qual estes não tributariam ou restringiriam as importações provenientes uns dos outros. Em 1° de janeiro de 1995, porém, o bloco passou de zona de livre comércio a união aduaneira, na qual todos os Estados-membros poderiam praticar as mesmas quotas (Tarifa Externa Comum – TEC) sobre as importações advindas de países não-membros. Passados 16 anos, o bloco ainda permanece nesse mesmo estágio evolutivo.
Vale aqui dizer que, além de ser o instrumento fundador do bloco, o Tratado de Assunção representa uma verdadeira Constituição do MERCOSUL, na medida em que fixa os principais objetivos do bloco e aponta as diretrizes para que esses objetivos sejam alcançados.
A propósito, a natureza constitutiva do Tratado de Assunção ganhou ainda mais evidência após a assinatura, em 17 de dezembro de 1994, do Protocolo de Ouro Preto, que, aprimorando o primeiro instrumento, conferiu estrutura institucional ao MERCOSUL – passo essencial ao reconhecimento jurídico e internacional do bloco como um ente autônomo em relação aos seus membros.
Atualmente, o MERCOSUL apresenta três classes de signatários. São elas:
(i) Os Países Partes: Argentina (1991), Brasil (1991), Paraguai (1991), Uruguai (1991) e Venezuela (2009);
(ii) Os Países Associados: Bolívia (1996), Chile (1996), Peru (2003), Colômbia (2004) e Equador (2004); e
(iii)O País Observador: atualmente, o México.
Destaca-se que a maioria desses países lança mão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) para, em linhas gerais, tributar a circulação de serviços e mercadorias dentro de seus respectivos territórios nacionais.
O Brasil, porém, adota modelo tributário singular, utilizando três impostos distintos (ICMS, ISS e IPI) para tributar as mesmas hipóteses de incidência abarcadas pelo IVA na maioria dos outros Países do MERCOSUL.
Isso redunda na impossibilidade de eventual tomada de crédito nas operações com o Brasil, o que gera críticas por parte dos demais Estados signatários do bloco.
Após a conversão do MERCOSUL de zona de livre comércio para união aduaneira, foi necessária (e até natural) a adoção de uma tarifa comum pelos Estados-membros. Criou-se, desta forma, a denominada Tarifa Externa Comum (TEC), a ser aplicada pelos Estados-membros sobre todas as importações que esses realizarem junto a países alheios ao bloco. Nota-se, então, que a TEC teria o potencial de dar viabilidade real à uniformização da tributação aduaneira dos Estados integrantes do bloco.
Todavia, em razão de problemas sócio-políticos e das distintas estruturas econômico-tributárias dos Estados-Partes, a união aduaneira não apenas não foi concluída, como parece cada vez mais distante de sê-lo.
Nesse cenário, as chamadas listas básicas de convergência (“Listas de Exceções”) configuram o maior obstáculo a ser superado pelo MERCOSUL para o avanço da integração econômica de seus signatários.
As Listas de Exceções são documentos nos quais cada Estado-Parte elenca aqueles produtos, serviços e setores econômicos que, segundo o seu interesse político, a princípio não se sujeitarão à TEC, e sim às alíquotas tributárias próprias daquele Estado.
Inicialmente, a idéia era que cada país Parte, contando com lista própria, adotasse singular esquema de convergência de alíquotas, para que, até o ano de 2001, fossem de fato uniformizadas as alíquotas de importação praticadas por cada Estado-membro com a TEC. Ainda, como forma de resguardar a circulação de bens e serviços dentro do próprio bloco, os produtos excetuados por um determinado Estado Parte estariam sujeitos a alíquota fixada na TEC quando importados pelos demais Estados Partes.
Desse modo, estar-se-ia respeitando as singularidades (políticas, econômicas e tributárias, principalmente) de cada um dos Estados integrantes do MERCOSUL, a fim de viabilizar o fortalecimento de suas economias internas – e o conseqüente fortalecimento da economia do bloco, resultante do nivelamento da força econômica de seus membros.
Assim, cada Estado Parte elaborou uma Lista de Exceções à TEC, composta de produtos dos setores (i) de bens de capital, (ii) informática e (iii) telecomunicações, bem como outras exceções nacionais (produtos cuja incorporação imediata à TEC causaria problemas a determinado Membro do bloco).
Porém, o problema que acompanha as Listas de Exceções é o grande volume de mercadorias nelas inseridas, capaz de tornar a TEC praticamente ineficaz (jocosamente se diz que a TEC, e não as Listas, é que é a exceção).
Finalmente, entendida a estrutura aduaneira do MERCOSUL, é possível concluir-se que a eficácia do bloco é extremamente baixa, em comparação aos demais blocos econômicos existentes ao redor do globo.
As Listas de Exceções à TEC são a mais clara prova de que os países signatários não buscam uma união aduaneira efetiva, vez que alocam cada vez mais produtos nas mencionadas relações, tomando medidas claramente protecionistas e caminhando na direção reversa à filosofia de um bloco econômico.
Ademais, aspectos particulares do sistema tributário de cada país do bloco também contribuem para a não-concretização da união aduaneira do MERCOSUL. A política brasileira de manter a descentralização do ICMS, ISS e IPI, atribuindo para cada qual uma competência, respectivamente Estado, Município e União – apesar dos protestos dos demais Estados-membros do bloco, ante a impossibilidade de se tomar crédito nas operações com o Brasil – é apenas um dos diversos exemplos existentes nesse sentido.
Melina Joice Fioravante e Felipe Wagner de Lima Dias são advogados da equipe de Direito Tributário do Almeida Advogados – www.almeidalaw.com.br
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